sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

A amiga solidão




A noite chegou; o trabalho acabou: é hora de voltar para casa. Lar, doce lar? Mas, a casa está escura, vazia, a televisão apagada e tudo é silêncio. Ninguém para abrir a porta, ninguém à espera. Estou sozinha. Vem a tristeza da solidão... O que eu mais desejo é não «sentir» a solidão...

Penso... A minha tristeza não vem da solidão. Nasce nas fantasias que surgem na solidão. Ainda me lembro de quando eu julgava amar a solidão: ficar sozinha, ler um bom livro, ouvir a minha música... Assim, quando me tento preparar para uma noite solidão feliz, sento-me e... Mas, basta que eu pare para as fantasias surgirem. Cenas. Bocados. Imagens.

De um lado, amigos em festas alegres, conversas animadas, copos em cima da mesa. Aí a cena se altera.Eu. Sozinha neste quarto. Com toda a certeza que ninguém se está a lembrar de mim. Naquela festa feliz, naquele bar animado, naquele jantar especial quem se lembraria de mim? E ai a tristeza entra e eu não consigo mais gostar da minha amiga solidão... O remédio é sair, procurar o grupo habitual, procurar a alegria da festa... Mas, aqui não tenho ninguém ao virar da esquina... E... Mesmo que tivesse... Vestia-me, produzia-me, ia para o Bar... Mas, depois apercebia-me que festas reais não são iguais às festas fantasiadas... Existe um desencontro, uma imposibilidade de compartilhar as coisas da minha solidão... A noite ficaria perdida...

Tenho de ler um livro que alguém me aconselhou: «A chama de uma vela», de Bachelard. É um dos livros mais solitários e mais bonitos que existem. A chama de uma vela, por oposição, às luzes das lâmpadas eléctricas é sempre solitária. A chama de uma vela cria em seu redor um círculo de claridade mansa, que se perde nas sombras. Muitas vezes medito dianta da chama solitária de uma vela. Ao meu redor as sombras e o silêncio. Nenhum falatório vão ou oco; nennhum riso fácil para perturbar a verdade da minha alma. Encontro comunhão. As grandes comunhões não acontecem no meio de uma festa, no meio dos risos fáceis. Acontecem, paradoxalmente, na ausência do outro. Do ser amado. Quem ama sabe disso, e concorda comigo. Eu sei-o agora. É precisamente na ausência que a proximidade é maior. A minha vela solitária faz-me ver os objectos que se escondem quando há mais gente «eme cena»... Como se comporta a minha solidão?

Minha solidão?????? Há uma solidão que é minha, diferente da solidão dos outros? A solidão comporta-se... Se a minha solidão se comporta ela não é apenas uma realidade bruta e morta. Ela tem vida!

Sartre disse muitas coisas profundas, mas uma que eu sempre relembro, quando me sinto assim, vazia, é : «Não importa o que fizeram comigo. O que importa é o que eu faço, com aquilo que fizeram comigo». Páro. Leio de novo. E penso. Lamento esta maldade que a vida está a fazer comigo, a Solidão. Se Sarte está correcto, a maldade pode ser o lugar onde vou plantar o meu jardim.

Como é que a minha solidão se comporta? Ou talvez dando uma volta à pergunta, como eu me comporto com a minha solidão? O que estou a fazer com a minha solidão? Quando a lamento, estou a dizer que gostaria de me livrar dela, que ela é um sofrimentO, uma doença, uma inimiga... Aprendi isto, contudo: as coisas são os nomes que lhe damos! Se digo que ela é minha inimiga, ela torna-se minha inimiga. Mas será possível chamá-la de amiga?...

O estar juntos não significa, de todo, comunhão. O estar juntos, frequentemente, é uma forma terrível de solidão, um artifício para evitar o contacto com nós mesmos. Sartre também disse: «O Inferno é o outro!». Não discutimos, não nos queixamos e muitas vezes caminhamos juntos através de portas abertas.

O início da infelicidade humana encontra-se na comparação. Quando vemos os outros superficialmente, sempre os achamos melhor que nós. A solidão... A solidão de ser diferente... Sofre-se muito... E não se consegue compartilhar com ninguém este sofrimento. Nem com os que nos estão mais próximos... Seria inútil... Eles não compreenderiam. E, mesmo que compreendessem, nada poderiam fazer... Assim sofro a minha solidão, duas vezes sozinha. Mas, é ela que me forma, que me tornou na pessoa que sou hoje. As caminhadas pelo deserto fazem-me forte. Aprendi a cuidar de mim mesma. Aprendi a procurar as coisas que, para mim, como solitária, fazem sentido.

A minah infelicidade com a solidão... Não deriva ela, em parte, das comparações? Eu comparo a minha imagem, só aqui no quarto, com a imagem (fantasiada) dos outros, em celebrações cheis de riso... Esta comparação é destrutiva porque da inveja... Devia sofrer a dor real da solidão porque a solidão dói! Dói uma dor, da qual pode nascer a beleza... Não posso sofrer a dor da comparação. Ela não é verdadeira.~

A solidão ensina-me quem sou. Mas, estou cansada de mim...

By me em 12/Março/2003

Alguns anos passaram. Aprendi muita coisa. E agora a minha filha enche a casa de sons, de risos e de claridade. Graças a ela, são poucos os momentos de solidão....

4 comentários:

Ricardo disse...

Pensamentos articulados..gosto muito de ler o que escreves..E's muito linda

Goldfinger disse...

Rakelita

Que grande falte de auto-estima!!!
Será que não percebes o que vales? Será que quem te rodeia não te prova o quanto mereces ser feliz? Olha que nem todas as desventuras são inúteis. Pelo contrário, ajudam-nos a crescer, a sermos melhores e mais fortes.
Parte para a vida de peito feito, percebe que na vida o dia a dia é uma luta e quando assim não for, isto não faz sentido nenhum.
Sei que é mais fácil falar do que fazer, mas somos nós próprios que temos de cuidar das nossas emoções e do nosso destino. Não esperes que alguém te venha entregar de bandeja a felicidade, se é que existe...
Por tudo isto minha querida, solidão? Na tua idade? O que é isso?
Não! Andas enganada e ... resignada! Às vezes estamos em casa, cheia de gente e no entanto sentimo-nos tão sózinhos...
Procura novos amigos, consolida os que já tens, vive a vida tal qual ela é, com defeitos, virtudes, alegrias, tristezas, momentos bons e outros menos bons, mas de uma coisa nunca te esqueças:

VIVE PORRA!

Dá o grito se te apetecer, mas parte para outra. Esquece a solidão, arruma-a no armário que tiveres mais à mão e verás que um dia destes a vais "passar a outro/a"
Quando menos esperares, as coisas irão acontecer e um dia falarás contigo mesma e irás perceber que se calhar para chegares onde chegarás, foi preciso passar por tudo o que já passas-te e eventualmente venhas a passar.
É assim a vida minha querida.
Olha que sei do que estou a falar! Sou barra nisso. Pessoalmente já a recomecei três vezes... e do zero minha cara! E cá estou!

A prpósito ainda estou à espera desse café que me prometes-te...

Jinhos.

António

Rakel Macedo disse...

Querido António,

Leste tudo até ao fim?? Também falo dessa solidão de uma casa cheia de gente...

E no fim dou graças a Deus pela minha filha!

O texto foi escrito em 2003 :)

Miss Piglet disse...

Estar sózinha não significa necessáriamnete ser solitária. E não devemos fazer depender a nossa felicidade da compam«nhia dos outros. Primeiro, estamos nós. E a nossa auto-estima trabalha-se (e custa €€,eu q o diga). Quando estivermos bem connosco e bem sózinhas, então já estamos prontas para partilhar pedaços da nossa vida c outra pessoa.
Não há pressas...o que estiver para acontecer, acontece. Não vale a pena procurar, basta estar aberto às possibilidades.