segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Olhos cinzentos

No meio de toda aquela algazarra pareceu-lhe que alguém a chamava. Olhou em redor, mas não viu ninguém que a pudesse ter chamado. Ao desviar o olhar lá ouviu de novo.

Encarou quem a chamava e durante breves, muito breves, segundos nos seus olhos brilhou a confusão. Quem era ele? De repente lembrou de tudo.

Da dor das ausências dele. Do vazio da sua partida, sempre anunciada. Do Amor que só existirá no coração dela. Dos sonhos que criou e alimentou, sozinha. Lembrou de noites e noites de lágrimas, de noites em claro à espera. À espera de uma sms, de uma chamada, de um toque na campainha...

Naqueles breves segundos olhou para ele e  foi como se o visse pela primeira vez. Viu-o como ele era: uma pessoa fria, egoísta e egocêntrica que somente a usara quando precisava de atenção, carinho... Ou sexo.

Ele, quando a viu, sentiu de novo tudo o que sempre sentira por ela. O Amor, o desejo, a luxúria. Algo no centro dele resplandeceu e ele sentiu tudo de novo. Até o mesmo medo de apostar, de se deixar apaixonar, de confiar. Relembrou o dia em que se apercebeu que a tinha perdido, que ela «não estava lá mais»... Sem uma palavra mais ela desaparecera da vida dele e seguira em frente. A dor de a perder para sempre mesmo assim foi inferior ao medo de voltar a confiar. E ele... Não correu atrás.

Ficaram parados. Frente a frente no meio de toda aquela multidão que aguardava a abertura da porta de embarque. Destino dela: Paris. Destino dele: Madeira.

Ela olhou-o. Acenou-lhe de longe, engoliu em seco e pegou ao colo a criança que segurava na mão e, a qual, só agora ela a vira. Sem mais qualquer outra expressão, ela apertou a criança, virou as costas e seguiu.

Ele olhou a linda menina de cabelos encaracolados e olhos cinzentos e achou-a familiar. Demasiado familiar. No entanto sabia que nunca antes a vira. Quando ela virou costas, a criança virou-se para trás para olhar o estranho que deixara a sua mãe sem palavras e quase sem reação. Agitou os deditos gordos num adeus infantil e logo se desinteressou.

Chamaram para o vôo dele e ele dirigiu-se à porta de embarque. Passou no WC. Passou água pelo rosto, mergulhou as mãos em água fria e levantou o olhar ao espelho... E viu reflectido no espelho os mesmos olhos cinzentos que há breves momentos o fitaram do colo da sua mãe.

A surpresa da descoberta fez de repente todo o sentido. A espera dela, o amor dela, e até o desaparecimento dela...

Fechou os olhos. E seguiu em frente...

Sozinho.